- (1) Sermão pregado em Montpellier em 1860.
(2) "Os bem-aventurados, sem deixarem o lugar que ocupam, poderão afastar-se de certo modo em razão do seu dom de inteligência e da vista distinta, a fim de considerarem as torturas dos condenados, e, vendo-os, não somente serão insensíveis à dor, mas até ficarão repletos de alegria e renderão graças a Deus por sua própria felicidade, assistindo à inefável calamidade dos ímpios." (S. Tomás de Aquino.)
Já se tem discutido seriamente sobre a natureza desse fogo que queima mas não consome as vítimas. Tem-se mesmo perguntado se seria um fogo de betume. (2)
O inferno cristão nada cede, pois, ao inferno pagão.
- (2) Sermão pregado em Paris em 1861.
A este respeito, frisemos ainda outra analogia: - O inferno dos pagãos continha de um lado os Campos Elíseos e do outro o Tártaro; o Olimpo, moradia dos deuses e dos homens divinizados, ficava nas regiões superiores. Segundo a letra do Evangelho, Jesus desceu aos infernos, isto é, aos lugares baixos para deles tirar as almas dos justos que lhe aguardavam a vinda.
Os infernos não eram, portanto, um lugar unicamente de suplício: estavam, tal como para os pagãos, nos lugares baixos.
A morada dos anjos, assim como o Olimpo, era nos lugares elevados. Colocaram-na para além do céu estelar, que se reputava limitado.
6. - Esta mistura de idéias cristãs e pagãs nada tem de surpreendente. Jesus não podia de um só golpe destruir inveteradas crenças, faltando aos homens conhecimentos necessários para conceber a infinidade do Espaço e o número infinito dos mundos; a Terra para eles era o centro do Universo; não lhe conheciam a forma nem a estrutura internas; tudo se limitava ao seu ponto de vista: as noções do futuro não podiam ir além dos seus conhecimentos. Jesus encontrava-se, pois, na impossibilidade de os iniciar no verdadeiro estado das coisas; mas não querendo, por outro lado, com sua autoridade, sancionar prejuízos aceitos, absteve-se de os retificar, deixando ao tempo essa missão. Ele limitou-se a falar vagamente da vida bem-aventurada, dos castigos reservados aos culpados, sem referir-se jamais nos seus ensinos a castigos e suplícios corporais, que constituíram para os cristãos um artigo de fé. Eis aí como as idéias do inferno pagão se perpetuaram até aos nossos dias. E foi preciso a difusão das modernas luzes, o desenvolvimento geral da inteligência humana para se lhe fazer justiça. Como, porém, nada de positivo houvesse substituído as idéias recebidas, ao longo período de uma crença cega sucedeu, transitoriamente, o período de incredulidade a que vem pôr termo a Nova Revelação. Era preciso demolir para reconstruir, visto como é mais fácil insinuar idéias justas aos que em nada crêem, sentindo que algo lhes falta, do que fazê-lo aos que possuem uma idéia robusta, ainda que absurda.
7. - Localizados o céu e o inferno, as seitas cristãs foram levadas a não admitir para as almas senão duas situações extremas: a felicidade perfeita e o sofrimento absoluto. O purgatório é apenas uma posição intermediária e passageira, ao sair da qual as almas passam, sem transição, à mansão dos justos.
Outra não pode ser a hipótese, dada a crença na sorte definitiva da alma após a morte. Se não há mais de duas habitações, a dos eleitos e a dos condenados, não se podem admitir muitos graus em cada uma sem admitir a possibilidade de os franquear e, conseguintemente, o progresso. Ora, se há progresso, não há sorte definitiva, e se há sorte definitiva, não há progresso. Jesus resolveu a questão quando disse: - "Há muitas moradas na casa de meu Pai." (1)
- (1) O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. III.
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